No início do ano (31/03) a equipe
de filmagem do documentário sobre os agrotóxicos, dirigido por Silvio Tendler,
estava em Paraipaba, Ceará, cerca de 90 quilômetros a noroeste da capital
Fortaleza. Foram investigar as acusações à empresa do agronegócio, de origem
holandesa, Companhia Bulbos do Ceará (CBC), por uso indiscriminado de
agrotóxicos.
Em fevereiro, a Justiça do Ceará
havia deferido liminar proibindo o uso de veneno pela CBC. Entre as explicações
estão coceira na pele e problemas respiratórios na comunidade local, a provável
contaminação da lagoa da Cana Brava – a 100 metros da fazenda e principal
reservatório de água que abastece o município – além da morte, por contaminação
comprovada em laboratório, de 18 cabeças de gado do agropecuarista Henry
Romero.
Na manhã seguinte à visita da
equipe de filmagem, 15 animais de seu Henry apareceram doentes – alguns
agonizantes, como mostram vídeos gravados pelo agropecuarista (http://www.youtube.com/watch?v=31iMpTs70bw),
sob orientação do Ministério Público. Até o fechamento desta matéria, 12 já
haviam morrido.
“O tempo todo que estivemos
conversando com seu Henry na propriedade dele, um cara numa caminhonete, dentro
da área da CBC, um funcionário, ficava cantando pneu pra cima e pra baixo.
Nitidamente para nos coagir. Tanto que no final, seu Henry falou ‘fiquem
tranquilos’ e nos escoltou até a saída”, relatou a documentarista Aline
Sasahara.
As propriedades de seu Henry e CBC
são vizinhas. Atualmente, separadas por uma “telinha transparente”, como
descreve Aline.
Veneno à deriva
Seu Henry é cauteloso e não acusa a
empresa de envenenamento direcionado. Entretanto, diz não ter dúvida de que
seus animais são vítima do veneno lançado aos montes por seu vizinho:
“Já foi descartado qualquer tipo de
doença. É veneno que partiu de lá e o que vai dizer qual veneno é a biopsia.
Sabemos que eles nunca obedeceram a ordem de parar de pulverizar. Se eles
plantam, eles pulverizam, porque não tem como colher essas culturas sem usar o
veneno.”
Cada um dos dois pulverizadores
usados pela CBC armazena 2 mil litros de veneno e possuí dois braços de 20
metros que fazem a pulverização suspendida. As duas máquinas juntas chegam a
envergadura de 80 metros e são utilizadas para pulverizar uma área de
aproximadamente 22 hectares, segundo Henry:
“A área deles é pequena, não chega
a 180 metros de largura, então dá pra você imaginar: 80 metros de braço jogando
o veneno à deriva.”
CBC
Criada em 2004, a CBC produz bulbos
– caule arredondado do qual brotam flores ornamentais, como a Canna indica,
Amaryllis e Caladium. Apesar de serem consumidos pelos EUA e Europa, é em
Paraipaba que os bulbos e a CBC encontram as melhores condições para florecer:
longo período de sol, Porto de Pecém a 50 quilômetros de distância, baixo custo
da terra e mão-de-obra barata. Todas estas “vantagens”, entretanto, parecem não
dispensar a necessidade do veneno: de acordo com a Agência de Defesa
Agropecuária do Ceará (Adagri), a CBC utiliza 29 tipos de agrotóxicos, sendo
dez altamente tóxicos ao meio e sem registro administrativo de órgãos
ambientais estadual e federal. De acordo com a Superintendência Estadual do
Meio Ambiente (Semace), a CBC também não possui licenciamento ambiental.
Para agravar a situação, a
plantação da CBC se localiza em um platô, com incidência de fortes vento, e é
rodeada por um povoado de quase 700 habitantes – muitos deles dependentes da
empresa. Em épocas de forte safra, a CBC emprega até 150 trabalhadores. Assim,
a população que sofre com a propagação do veneno pela terra, água e ar, pouco
pode fazer. “Todo mundo tem medo de falar, porque são vizinhos, porque
trabalham lá ou tem parentes que trabalham. Seu Henry tem uma situação
econômica muito melhor que a maioria das pessoas ali, então ele pode falar.
Mas, a empresa está fazendo um trabalho junto aos moradores, dizendo que se ela
fechar a culpa vai ser do seu Henry, que as pessoas vão perder emprego, que ele
devia ficar quieto”, conta a documentarista Aline.
Seu Henry
Com aproximadamente 160 cabeças de
gado leitero, há mais de 30 anos no ramo “sem usar agrotóxico e nenhum produto
que venha causar algum transtorno para a natureza ou para os animais”, seu
Henry levou um grande prejuízo. “Todos os dias estou mandando 500 reais de
medicamento para a fazenda, mas não está resolvendo. Morreram animais que eu
ainda estou pagando. Comprei no leilão”, reclama.
Contudo, o agropecuarista dá outras
razões para seu abatimento. “Eu tenho esse apego aos animais, mas são só
animais. E as pessoas lá? Tem um povoado de 130 casas, todas pessoas honestas,
humildes que não podem falar nada. Segundo os profissionais químicos, o veneno
é absorvido pela medula e vai acumulando, acumulando, até causar leucemia e
outros problemas. E tem um caso aqui, a 80 metros do campo, que há uma escola
que estudam 200 crianças, em dois turnos. Então, o que estão fazendo é um
crime, uma ignorância brutal”, conclui.
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